Como escolher boa literatura para crianças?
Buscando
critérios para a escolha de livros
POR YOLANDA
REYES
Yolanda Reyes
nasceu na Colômbia, é educadora, fundadora e diretora do Instituto
Espantapájaros, em Bogotá – um projeto cultural de formação de leitores,
dirigido não apenas as crianças, mas também a mediadores e adultos.
Especialista em fomento à leitura, consultora, autora de artigos e livros sobre
o tema da leitura, é autora de A casa imaginária: leitura e literatura na
primeira infância (Global, 2010). É colunista do diário El Tiempo, de Bogotá e
também se destaca pela sua obra literária para crianças e jovens. Dentre seus
livros publicados no Brasil, destacamos É terminantemente proibido, A pior hora
do dia, Saber perder e Terça-feira: 5ª aula (FTD) e Um conto que não é reconto
(Mercuryo Jovem).
Essa é a
pergunta mais frequente que os pais me fazem e não gosto de respondê-la em
abstrato, pois se cada criança é diferente, os pais também são, e cada pessoa
tem seus gostos, suas perguntas, suas maneiras de ler... Isso sem falar nas
idades, porque temos incluídos nesse rótulo que os adultos denominam, genericamente,
"crianças", desde os bebês até os adolescentes.
Mas essas
também são categorias abstratas, porque um bebê pode gostar dos animais,
enquanto outro pode preferir flores, e uma menina de dez anos pode odiar
poemas, que outra criança adora. O mesmo ocorre com os romances de aventura, ou
os que falam da vida real. O mesmo com os monstros e com as fadas. Alguns
gostam de contos, outros, de histórias em quadrinhos. Alguns querem muitas
ilustrações, outros, letras pequenas. E isso sem falar dos momentos, porque há
livros para ler à noite e outros para ler durante o dia. Há livros para chorar
e outros para rir. Alguns são perfeitos para responder àquela pergunta que não
sai da nossa cabeça, enquanto outros nos deixam um monte de novas perguntas. Às
vezes, precisamos de uma resposta e, às vezes, precisamos de mais perguntas.
E por aí
vai...
Então, não
existe resposta?
Na verdade,
não existe receita.
Ou talvez
pudesse haver uma: para uma criança ler, só precisa saber ler.
Ler como? Ler
o quê?
1. Ler para as
crianças
Quem são e do
que eles gostam. O que eles nos dizem todos os dias – e o mais importante: o
que eles não nos dizem. O que os faz perder o sono e o que os faz sonhar. De
que brincam e com que brincam, com que se divertem, o que os faz chorar. O que
sentem com os livros que vêm em casa, na biblioteca, na livraria, ou na sala de
aula. Quais eles preferem. Eles podem ser totalmente distintos mesmo sendo
gêmeos ou sentados numa mesma carteira. Nenhum especialista sabe o que você
sabe sobre essa criança concreta que espera aquele livro em particular, em um
momento preciso de sua vida. Confie na sua sabedoria instintiva. Seus próprios
filhos são o seu primeiro texto de leitura.
2. Ler o
livro, panoramicamente
Como você lê o
descritivo das vitaminas numa caixa de cereal? Usando seus critérios. Você não
compra a caixa de cereais apenas porque é mais colorida ou se tiver um
personagem de Walt Disney. Tampouco compra um disco sem olhar a capa e as
músicas que ele contém e, muitas vezes, inclusive, pede para ouvir.
Isso que é
feito na loja de discos, ou na livraria antes de comprar um livro, para você,
deve ser feito quando se trata dos livros para as crianças. Não compre o
primeiro que lhe oferecem. Antes de olhar se tem capa dura ou adesivos,
pergunte ao livro:
a) Quem
assina?
Você não
compra um livro anônimo, a menos que seja a Canção do Mio Cid. Nem é a mesma
coisa comprar um romance de Saramago ou de um "escritor fantasma". O
mercado está cheio de livros infantis assinados por multinacionais. Como em
qualquer literatura, um verdadeiro escritor de livros para crianças garante o
que escreve com a sua assinatura.
b) Quem é o
ilustrador?
Nos álbuns ou
livros de imagens, a ilustração é uma linguagem tão válida quanto o texto.
Aprenda a diferenciar"desenhos" de uma ilustração com caráter e
estilo próprios. (Aqui também, a assinatura de um ilustrador é uma garantia de
que alguém está por trás desse trabalho.) Você está educando o olhar de uma
criança. Cuidado com os estereótipos: o sol com rosto feliz ou a típica casinha
triangular. Olhe mais longe: peça a ilustração que não se limite a repetir o
que dizem as palavras, que as amplie, que brinque com elas; que proponha novas
leituras; que deixe um espaço para a imaginação. Os bons livros de imagem podem
ser o museu de uma criança.
c) É versão
original ou adaptação?
No caso dos
contos de fadas, das histórias de tradição oral ou dos clássicos, o livro deve
dizer se é uma adaptação ou uma versão original. É diferente ler o Chapeuzinho
vermelho de Perrault ou dos irmãos Grimm a ler uma adaptação, onde pode ter se
perdido a força da linguagem e a carga simbólica das imagens. Cuidado, também
com os romances simplificados. Alice no país das maravilhas, de Carroll,
Pinóquio, de Collodi, Peter Pan e Wendy, de Barrie são novelas complexas e
muito lindas e devem ser lidas no seu devido tempo. Ler essas obras resumidas
em continhos de poucas páginas é como ler A Odisseia em um resumo de escola. É
melhor que a criança possa desfrutar de toda a riqueza da obra quando crescer
um pouco mais. Desconfie, também, dos clássicos para adultos em versões
infantilizadas. Virá, no devido tempo, o momento de desfrutar a verdadeira voz
de Shakespeare ou Cervantes.
d) Qual é a
idade sugerida?
A maioria dos
editores oferece sugestões de idade. Leve em conta essas recomendações, porém
enriqueça-as com os seus critérios. Existem livros para todas as idades; há
outros sem idade. Além disso, nem todos os processos leitores são os mesmos. A
idade cronológica de um leitor é apenas uma das variáveis. Coteje a sugestão da
editora com o seu conhecimento e o dessa criança de verdade que vai receber o
livro.
e) Que editora
publica esse livro?
Além do nome,
verifique a cidade, o ano da publicação, o nome do tradutor etc. Desconfie se
essas informações não estiverem explícitas. Vire as páginas; leia a capa e a
contra capa. Você vai encontrar dados sobre o livro e seu autor que lhe darão
as primeiras pistas.
3. Envolva as
crianças na pesquisa
Leve as
crianças a bibliotecas públicas e livrarias. Leia com elas e companhe-as em seu
processo de crescimento como leitores. Acredite na palavra da criança, mas ao
mesmo tempo, ofereça ferramentas para que possa ir educando os seus critérios.
Na medida em que uma criança tem contato com literatura de qualidade, ela irá
refinando a sua sensibilidade e tornando-se cada vez mais exigente. Nem sempre
o que é fácil, o que está na moda ou o que está no topo da lista dos "mais
vendidos" é o melhor. Não se deixe, tampouco, tentar pelas coleções
completas que não garantem, por si só, a qualidade de cada título. Dê liberdade
de escolha, mas ofereça, também, a riqueza de sua experiência como leitor
adulto. E não queira acertar sempre. Ler é também equivocar-se.
4. Busque
assessoria
O campo da
literatura infantil é enorme. Muitos autores, ilustradores, gêneros e
tendências que não conhecemos quando éramos crianças têm enriquecido
enormemente as opções de leitura. Não fique limitado ao que você leu na
infância. Aproveite as crianças para descobrir novas obras e não pretenda
conhecer tudo. Busque um livreiro ou um bibliotecário que conheça literatura
infantil. Consulte as listas de livros recomendados, as publicações sobre o
assunto e as instituições que promovem a leitura. Você vai se surpreender com
as descobertas e encontrará livros, não só para ler com seus filhos, mas também
para você.
5. Não
confunda uma obra literária com um livro didático
Assim como
você procura muito mais que ensinamentos explícitos quando lê um romance de
García Márquez, seu filho busca na literatura muito mais que um ensinamento
moral. A literatura se move na esfera do simbólico e apela à experiência
profunda dos seres humanos. Desconfie das mensagens explícitas e das morais
óbvias. O mercado está cheio de livros infantis que "disfarçam" – sob
o título de "conto" – as intenções didáticas dos adultos. Aprenda a
diferenciar os manuais de autoajuda das obras literárias. A literatura não
pretende explicar valores, letras do alfabeto, regras de polidez ou mensagens
ambientais. Leia nas entrelinhas e não escolha um livro só pelo seu tema, mas
pela sua forma e pela maneira como um autor constrói uma voz e um mundo
próprios. Desconfie dessa linguagem pseudoinfantil, cheia de diminutivos e de
histórias light, onde os protagonistas são tão perfeitos como ursos de pelúcia.
(Seu filho vai ser o primeiro a "não engolir a história".) Os livros
infantis podem ser atrevidos, transgressores, irreverentes, sutis,
inteligentes, tristes... Todas essas nuances, que constituem a infinita
variedade da experiência de um ser humano, alimentarão o mundo interior das
crianças e lhes darão as chaves secretas para descriptografar muito sobre sua
própria vida e sobre as emoções, sonhos e pesadelos sobre fantasia e realidade.
Quando você
for ler literatura para uma criança, deixe-se tocar pela linguagem cifrada e
misteriosa dos livros. Todo o resto virá depois.
TRADUÇÃO:
DOLORES PRADES
CRÉDITO:http://www.revistaemilia.com.br/mostra.php?id=9 E OUTRAS LEIUTRAS...
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